sexta-feira, 19 de setembro de 2008

O REGIME MILITAR

SEGUNDA PARTE (1974 – 1985)

Texto adaptado da obra: “História do Brasil”. Boris Fausto. São Paulo: Editora Edusp. 1995.


O governo Geisel
Tal como acontecera com Castelo Branco, Médici não conseguiu fazer seu sucessor. O nome escolhido pelas Forças Armadas para suceder-lhe, foi o do general Ernesto Geisel.
A indicação de Geisel representou um triunfo dos castelistas e, conseqüentemente, uma derrota da linha-dura. Porém, o que pesou na escolha desse candidato foi sua capacidade de comando e suas qualidades administrativas.
A emenda nº 1 da Constituição de 1967 modificou a forma de escolha do presidente da República. Previu-se a criação de um Colégio Eleitoral, composto de membros do Congresso e delegados das Assembléias Legislativas dos Estados. Geisel foi o primeiro presidente escolhido pelo Colégio Eleitoral. Eleito em janeiro de 1974, tomou posse em março daquele ano.

O início da abertura e a eleição de 1974
O governo Geisel se associa ao início da abertura política que o general presidente definiu como lenta, gradual e segura. No entanto, a abertura foi lenta, gradual e insegura, pois a linha-dura se manteve como uma contínua ameaça de retrocesso até o fim do governo Figueiredo.
A estratégia da distensão foi formulada pelo presidente e pelo general Golberi, que voltou ao governo como chefe do gabinete civil da presidência.
A oposição começara a dar em 1973 claros sinais de vida independente; o confronto entre a Igreja Católica e o Estado era também muito desgastante para o governo. A equipe de transição de Geisel tratou aliás de estabelecer pontes com a Igreja, a partir de um ponto comum de entendimento – a luta contra a tortura. Mas a oposição política e a Igreja não eram o termômetro mais sensível a indicar a necessidade da distensão. Esse termômetro se localizava nas relações entre as Forças Armadas e o poder. O poder fora tomado pelos órgãos de repressão, produzindo reflexos negativos na hierarquia das Forças Armadas. Um oficial de patente inferior podia controlar informações, decidir da vida ou morte de pessoas conforme sua inserção no aparelho repressivo, sem que seu superior na hierarquia militar pudesse contrariá-lo. As funções e os princípios básicos das Forças Armadas eram assim distorcidos, trazendo riscos à integridade da corporação militar. Para restaurar a hierarquia, tornava-se necessário neutralizar a linha-dura, abrandar a repressão e, ordenadamente, promover a “volta dos militares aos quartéis”. Por outro lado, lembremos que a “democracia relativa” era uma meta buscada pelo grupo castelista desde 1964.
No curso de 1975, Geisel combinou medidas liberalizantes com medidas repressivas. As últimas eram destinadas a acalmar o “público interno”, ou seja, integrantes da corporação militar. Durante o mês de janeiro, por exemplo, o governo suspendeu a censura ao jornal O Estado de São Paulo; a isto se seguiu uma ousadia maior dos outros jornais, com destaque para a Folha de São Paulo. Por outro lado, o ministro da Justiça, Armando Falcão desfechou uma violenta repressão contra o PCB, acusando-o de estar por trás da vitória eleitoral do MDB.
Um confronto importante entre o governo e a linha-dura ocorreu afinal às claras em São Paulo. Embora a guerrilha tivesse sido eliminada, os militares linha-dura continuavam a enxergar subversivos por toda a parte. Continuava também a prática da tortura, acrescida do recurso ao “desaparecimento” de pessoas mortas pela repressão. Na realidade, esses métodos, justificados por alguns como mal inevitável decorrente de uma “guerra interna”, sobreviveram e até se intensificaram depois de que a “guerra” terminou. Em outubro de 1975, no curso de uma onda repressiva, o jornalista Vladimir Herzog, diretor de jornalismo da TV Cultura, foi intimado a comparecer ao DOI-CODI de São Paulo. Ele era suspeito de ter ligações com o PCB. Herzog apresentou-se ao DOI-CODI e daí não saiu vivo. Sua morte foi apresentada como suicídio por enforcamento, uma forma grosseira de encobrir a realidade: tortura, seguida de morte.
O fato provocou grande indignação em São Paulo, sobretudo nos meios da classe média profissional e da Igreja. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pôs-se à disposição da mulher de Herzog – Clarice- para responsabilizar o Estado pela morte de seu marido. A missa celebrada na Praça da Sé por Dom Evaristo Arns, assistido por dois rabinos e um pastor protestante, foi um ato comovido de repulsa à violência.
Poucos meses mais tarde, em janeiro de 1976, o operário metalúrgico Manuel Fiel Filho foi morto em circunstâncias semelhantes às da morte de Herzog. Mais uma vez, a versão oficial era de suicídio por enforcamento.
O presidente Geisel, que já emitira sinais de descontentamento ao “público interno”, resolveu agir. Um poder paralelo se instalara em São Paulo com as bençãos, ou, no mínimo, a omissão do comandante do II Exército, Ednardo D’Ávila Melo. Geisel substituiu-o por um general de sua inteira confiança – Dilermano Gomes Monteiro -, que começou a usar outra linguagem e a estabelecer pontos de contato com a sociedade. A tortura nas dependências do DOI-CODI cessou, embora as violências em São Paulo não tenham terminado. A linha-dura tinha ainda bastante fôlego.

O “Pacote de Abril”
Após o resultado pleito de novembro de 1974, os confrontos eleitorais passaram a ser uma preocupação para o governo. Haveria eleições municipais em novembro de 1976 e a possibilidade de uma derrota da Arena era real. Meses antes, em julho de 1976, a primeira lei modificadora da legislação eleitoral barrou o acesso dos candidatos ao rádio e à televisão. Nas eleições municipais, os partidos poderiam apresentar no rádio e na TV apenas o nome, número do currículo dos candidatos e uma fotografia destes no caso da televisão. Embora essa lei (Lei Falcão) atingisse em princípio tanto a Arena como o MDB, era o partido da oposição o grande prejudicado. Ele perdia uma oportunidade única de divulgar suas idéias. Mesmo assim, o MDB venceu as eleições para prefeito e conquistou maioria nas Câmaras Municipais em 59 das maiores cidades do país.
Geisel apertou o cerco, introduzindo em abril de 1977 uma série de medidas que ficaram conhecidas como o “pacote de abril”. O “pacote” foi baixado depois de uma crise entre o Executivo e o Congresso, quando o governo não conseguiu a maioria necessária de dois terços para aprovar várias alterações constitucionais. O presidente, em resposta, colocou o Congresso em recesso e, a partir daí, emendou a Constituição e baixou vários decretos-leis.
Entre as medidas do “pacote de abril”, estava a criação da figura do senador biônico, cujo objetivo era impedir que o MDB viesse a ser majoritário no Senado. Os senadores biônicos foram eleitos, ou melhor, “fabricados”, por eleição indireta de um colégio eleitoral, organizado de forma a tornar muito difícil a vitória da oposição. O critério de representação proporcional nas eleições à Câmara dos Deputados foi alterado, de modo a favorecer os Estados do Nordeste. Estes passaram a eleger proporcionalmente maior número de representantes do que os Estados do Centro-Sul. A medida visava favorecer a Arena, que controlava a maioria dos votos no Nordeste. Além disso, o “pacote” estendeu as restrições da Lei Falcão às eleições para os legislativos federal e municipal. O mandato do presidente da República passou de cinco para seis anos.
Ao mesmo tempo, o governo iniciou em 1978 encontros com líderes do MDB, da ABI e representantes da CNBB para encaminhar a restauração das liberdades públicas. Em outubro de 1978, o Congresso aprovou a emenda constitucional número 11, que entrou em vigor a 1º de janeiro de 1979. Seu objetivo principal foi revogar o AI-5, incorporado à Constituição. A partir dessa data, o Executivo já não poderia declarar o Congresso em recesso, cassar mandatos, demitir ou aposentar funcionários a seu critério, privar cidadãos de seus direitos políticos. O direito de requerer habeas corpus foi também restaurado em sua plenitude. Ao mesmo tempo, a emenda número 11 criou ao lado da figura já existente do estado de sítio as chamadas “salvaguardas”, pelas quais o Poder Executivo poderia decretar o estado de emergência e medidas de emergência. As últimas poderiam ser tomadas para restabelecer a ordem pública e a paz social em locais determinados, atingidos por calamidades ou graves perturbações. Essas restrições levaram o MDB a abster-se da votação da emenda.
Na campanha eleitoral de 1978, o MDB obteve 57% dos votos válidos para o Senado, mas não ficou com a maioria daquela casa. Isso se explica porque a representação no Senado não é proporcional, e sim por Estados. Além disso havia a presença dos biônicos. A Arena continuou majoritária na Câmara Federal – 231 cadeiras contra 189 do MDB - manteve-se a concentração de votos no MDB nos Estados mais desenvolvidos e nas grandes cidades – 83% dos votos em São Paulo, 63% no Rio de Janeiro e 62% no Rio Grande do Sul. De qualquer forma, o governo continuava porém a ter maioria no Congresso.

A Política Econômica
Para avaliar a política econômica do governo Geisel, devemos considerar um acontecimento externo negativo, cuja importância é grande embora tenha sido muitas vezes exagerada.
Em outubro de 1973, ainda no período Médici, ocorreu a primeira crise internacional do petróleo. Ela foi conseqüência da chamada Guerra do Yom Kippur, movida pelos Estados árabes contra Israel. Os países árabes produtores de petróleo se articularam para redizir a oferta do produto e provocar forte aumento dos preços. A crise afetou profundamente o Brasil, que importava mais de 80% do total de seu consumo.mas quando o genral Geisel tomou posse em março de 1974, algo do clima de euforia proveniente dos anos do “milagre” ainda persistia. A condução da política econômica ficou nas mãos de Mário Henrique Simonsen, economista conhecido por suas posições ortodoxas.
O novo governo lançou o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). O Plano buscava completar o processo de substituição de importações instalado há décadas no país, mudando o seu conteúdo. Já não se tratava agora de substituir a importação de bens de consumo, mas de avançar no caminho da autonomia no terreno de insumos básicos (petróleo, aço, alumínio, fertilizantes etc.) e da indústria de bens de capital – aqueles bens que integram o ciclo produtivo mas nele não são consumidos inteiramente (máquinas e ferramentas). A preocupação do II PND com o problema energético era evidente, pois propunha-se o avanço na pesquisa de petróleo, o programa nuclear, a substituição parcial da gasolina pelo álcool, a construção de hidrelétricas – exemplo, Itaipu.
A insistência no crescimento mostrou como era forte a crença nos círculos dirigentes de que o Brasil era um país predestinado a crescer. Porém, para continuar crescendo, seria necessário ampliar o investimento, contando com novos e maiores recursos externos, pois a poupança interna era insuficiente. Esses recursos não faltaram. Eles entraram no país principalmente sob a forma de empréstimos, em sua maioria, contratada a taxa felxíveis de juros; ou seja, os juros não tinham um percentual fixo, oscilando de acordo com a flutuação do mercado. Como o período se caracterizou por uma elevação da taxa internacional de juros, o país passou a arcar com compromissos cada vez mais pesados, correspondentes ao serviço da dívida. Não se pode dizer que os recursos obtidos através dos empréstimos tenham sido jogados pela janela ou engordado o bolso dos corruptos. Essas coisas ocorreram, mas o problema maior resultou da utilização de recursos em projetos dispendiosos, mal administrados, de longo ou duvidoso retorno. Por exemplo, a Ferrovia do Aço teve que ser abandonada; o projeto nuclear foi um desastre econômico e ecológico; o Próalcool, um êxito tecnológico que envolveu entretanto subsídios do Estado aos usineiros.
Em uma análise retrospectiva, podemos ver com maior clareza que o plano sofreu os azares da recessão internacional e da elevação da taxa de juros, tendo também um problema de fundo. Ele se adequava a um esquema de industrialização em via de ser superado nos países de Primeiro Mundo, por suas conseqüências negativas. Indústrias como a do aço, do alumínio, da soda, cloro consomem energia em elevado grau e são altamente poluentes.
Com todas essas ressalvas, é importante assinalar que a partir do II PND alguns ganhos importantes foram alcançados nas substituições de importações – especialmente o petróleo.
Outro problema para a economia do período foi a inflação. A relativa contenção da inflação vinha sendo feita à custa de artifícios, entre eles o da oferta de bens produzidos pelas empresas estatais a preço abaixo do custo, o que tornava essas empresas cada vez mais deficitárias. A indexação anual dos salários, isto é, a sua correção apenas de ano em ano, contribuía para agravar o descontentamento dos assalariados.

Os Movimentos Sociais
O regime militar reprimiu as direções sindicais ligadas ao esquema populista, mas não desmantelou os sindicatos. No campo, a Confederação Nacional dos Trabalhadores Agrícolas (Contag) já em 1968 começou agir independentemente do governo e a incentivar a organização de federações de sindicatos rurais em todo o país.
Lideranças combativas surgiam sob a influência da Igreja através da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Criou-se assim no campo uma situação curiosa em que a política assistencialista do governo favoreceu a emergência de um atuante movimento social. A luta pela posse da terra se manteve e até se ampliou; ao mesmo tempo, greves como a dos cortadores de cana em Pernambuco, iniciadas em 1979, chamaram a atenção para novas realidades do mundo rural.
O movimento operário veio à tona, no governo Geisel, com novo ímpeto e novas feições. A reconstrução do sindicalismo populista era inviável porque o regime não se assentava, nem pretendia se assentar no movimento operário organizado. Desse modo, o movimento sindical ressurgiu adotando formas independentes do Estado, a partir muitas vezes de vivência no interior das empresas onde os trabalhadores organizaram e ampliaram as comissões de fábrica. O eixo mais combativo se deslocou das empresas públicas para a indústria automobilística, que tinha sido um setor pouco atuante até 1964. A grande concentração de trabalhadores em um pequeno número de empresas e a concentração física no ABC paulista foram fatores materiais importantes para a organização do novo movimento operário – em 1976, na capital de São Paulo, existiam no setor automobilístico e mecânico-metalúrgico 421 mil operários.
Outro fator importante foi o trabalho dos organizadores, em que se destacaram lideranças operárias, em vários casos ligados à Igreja. Tiveram também papel importante os advogados sindicais. A aparição do movimento operário à luz do dia relacionou-se ainda com o clima criado pela abertura política, embora a abertura tenha demorado muito tempo para se estender às manifestações coletivas dos trabalhadores.
O Sindicato dos Metarlúrgicos de São Bernardo e Diadema iniciou uma campanha para as grandes greves de 1978 e 1979, que reuniram milhões de trabalhadores. A liderança de Luis Inácio da Silva (Lula), presidente do sindicato, afirmou-se no dia-a-dia e nas grandes assembléias realizadas em São Bernardo, no estádio da Vila Euclides. Os metalúrgicos estiveram à frente dos movimentos, que abrangeram também outros setores.
As greves tinham por objetivo um amplo leque de reivindicações: aumento de salários, garantia de emprego, reconhecimento das comissões de fábrica, liberdades democráticas.

O Governo Figueiredo
Geisel conseguiu fazer o seu sucessor. Foi ele o general João B. Figueiredo, tendo como vice-presidente o ex-governador de Minas Gerais Aureliano Chaves. Essa chapa derrotou a do MDB, formada pelo general Euler Bentes Monteiro e o senador gaúcho Paulo Brossard, na reunião do Colégio Eleitoral de 14 de novembro de 1978. A indicação do general Figueiredo passou por uma séria prova de força, pois o ministro do Exército Sylvio Frota lançara sua própria candidatura, nos meios militares e em sondagens no Congresso, como porta-voz da linha-dura. Frota abriu a campanha eleitoral em maio de 1977, antes do calendário eleitoral previsto por Geisel, e começou a atacar o governo, acusando-o de ser complacente com os subversivos. O presidente demitiu Frota do ministério e cortou sua escalada.
O período Figueiredo combinou dois traços que muita gente considerava de convivência impossível: a ampliação da abertura e o aprofundamento da crise econômica. Pensava-se que as dificuldades econômicas estimulariam conflitos e reivindicações sociais, levando à imposição de novos controles autoritários por parte do governo. O equívoco desse raciocínio estava em fazer da política uma simples decorrência da economia. A abertura, seguiu seu curso, em meio a um quadro econômico muito desfavorável.

Os Problemas Econômicos
Figueiredo manteve Simonsen no Ministério do Planejamento. A tentativa do ministro de impor uma política de restrições sofreu a oposição de vários setores. Dentre eles, destacam-se os empresários nacionais, que se beneficiavam do crescimento com inflação, e muitos componentes do próprio governo interessados em ter condições de gastar e mostrar realizações.
Em agosto de 969, Simonsen deixou o Ministério. Delfim assumiu o cargo, prestigiado como o homem do “milagre”. Agora porém a situação era outra, tanto no plano interno como no internacional. Um segundo choque do petróleo, com a consequente elevação dos preços, agravou o problema do balanço de pagamentos. As taxas internacionais de juros continuavam subindo, complicando ainda mais a situação. A obtenção de novos empréstimos era cada vez mais difícil e os prazos para pagamentos se estreitavam.
Sob pressão dos credores externos, Delfim optou por “frear o carro”, em fins de 1980. A expansão da moeda foi severamente limitada; os investimentos das empresas estatais foram cortados; as taxas de juros internos subiram e o investimento privado também declinou.
A recessão de 1981-1982 teve pesadas conseqüências. Pela primeira vez desde 1947, quando indicadores do PIB começaram a ser estabelecidos, o PIB teve um declínio médio de 1,6%. Os setores mais atingidos foram os indicadores de bens de consumo durável, como, por exemplo, os eletrodomésticos e de bens de capital, concentradas nas áreas urbanizadas do país. O desemprego nessas áreas tornou-se um problema sério. Calcula-se que o declínio da renda foi mais grave do que o ocorrido nos anos seguintes à crise de 1929.
Apesar da imposição de sacrifícios, a inflação não baixou significadamente. Desenhou-se naqueles anos um quadro que se tornaria familiar aos brasileiros, chamado de “estagflação”, por combinar estagnação econômica e inflação.
Afinal, com suas reservas em dólares esgotadas, o Brasil teve de recorrer ao FMI, em fevereiro de 1983.
Em troca de uma modesta ajuda financeira e da tentativa de restaurar sua credibilidade internacional, o país aceitou a receita do FMI. Ela consistia sobretudo em um esforço para melhorar as contas externas do país, mantendo-se o serviço da dívida. Internamente, previam-se cortes de despesas e a compressão ainda mais dos salários. Seguiu-se uma série de discordâncias entre o Brasil e o FMI. No Brasil, havia pressões contra as medidas restritivas e o pagamento dos juros da dívida; o FMI mostrava-se insatisfeito porque o acordo não era cumprido. Nesse clima, os credores internacionais não concederam ao país novos prazos para o pagamento d dívida – o reescalonamento – nem taxas mais favoráveis de juros, como fizeram com o México.
Apesar dos pesares, o esforço por melhorar as contas externas do país deu resultados. A partir de 1984, a economia se reativou, puxada principalmente pelo crescimento das exportações, com destaque par os produtos industrializados. A queda do preço do petróleo fez com que este não pesasse tanto no conjunto das importações. Além disso, houve redução da importação de petróleo e outros produtos, graças aos investimentos realizados a partir do II PND. Mas a inflação continuaria subindo e chegou a 223% ao ano em 1984.
No início de 1985, quando Figueiredo deixou o governo, a situação financeira era de temporário alívio e o país voltara a crescer. Mas o balanço daqueles anos se revela bastante negativo.

Continuação da Abertura Política
Figueiredo prosseguiu no caminho da abertura iniciada pelo governo Geisel. O comando das iniciativas ficou nas mãos do general Golberi e do ministro da Justiça Petrônio Portela.
Em agosto de 1979, Figueiredo tirou das mãos da oposição uma das suas principais bandeiras: a luta pela anistia. A lei de anistia aprovada pelo Congresso continha entretanto restrições e fazia uma importante concessão à linha-dura. Ao anistiar “crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”, a lei abrangia também os responsáveis pela prática da tortura. De qualquer forma, possibilitou a volta dos exilados políticos e foi um passo importante na ampliação das liberdades públicas.
O processo de abertura continuou a ser perturbado no governo Figueiredo pela ação da linha-dura. Bombas explodiram em jornais da oposição e na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Uma carta-bomba, enviada ao presidente da OAB, estourou na sede da entidade, matando sua secretária. Figuras da Igreja ou ligadas à Igreja, como o bispo de Nova Iguaçu, Dom Adriano Hypólito e o jurista Dalmo Dallari, foram vítimas de seqüestros.
Os atos criminosos culminaram com a tentativa de explodir bombas no centro de convenções do Riocentro, a 30 de abril de 1981. Aí se realizava um festival de música, com a presença de milhares de jovens. Uma das bombas não chegou a ser colocada. Explodiu no interior de um carro, ocupado por um sargento e um capitão do Exército; o sargento morreu nos local e o capitão ficou gravemente ferido. A outra bomba explodiu na casa de força do Rio-Centro. O governo conduziu um IPM que confirmou uma absurda versão dos fatos, isentando os responsáveis. Para tanto, chegou ao ponto de substituir um coronel que vinha realizando uma investigação séria. O pedido de demissão de Golberi da chefia da Casa Civil, em agosto de 1981, teve certamente a ver com a manipulação do inquérito.

As Manifestações Eleitorais
A legislação eleitoral aprovada em 1965 tinha-se convertido em armadilha para os detentores do poder. Cada vez mais, as eleições se transformavam em plebiscitos em que se votava pró ou contra o governo. O voto conferido ao MDB abrigava diferentes ideologias e refletia descontentamentos de todo o tipo.
Para tentar quebrar a força da oposição, o governo obteve do Congresso, em dezembro de 1979, a aprovação da Nova Lei Orgânica dos Partidos. A lei extinguiu o MDB e a Arena, obrigando as novas organizações partidárias a serem criadas a conter em seu nome a palavra “partido”. A Arena, que carregava um nome impopular, tratou de mudar de fachada, transformando-se do Partido Demcrático Social (PDS). Os dirigentes do MDB tiveram a habilidade de acrescentar apenas a palavra “partido” à sua sigla; assim, o MDB se converteu no Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Mas os tempos de uma oposição unida tinham passado. As suas diferentes tendências ficaram juntas enquanto existia um inimigo comum todo-poderoso. À medida que o regime autoritário foi se abrindo, as diferenças ideológicas e pessoais começaram a emergir.
Esse quadro está presente no surgimento de novos partidos, entre eles, o PT que surgiu a partir do sindicalismo urbano e rural, de setores da Igreja e da classe média profissional. O PT propunha-se representar os interesses das amplas camadas de assalariados existentes no país. Adotando uma postura contrária ao PCB e ao culto da União Soviética, o PT evitou definir-se sobre a natureza do socialismo. Esse fato tinha muito a ver com a existência, em seu interior, de correntes opostas. Em uma ponta ficavam os simpatizantes da social-democracia; na outra, os partidários da ditadura do proletariado. No campo sindical, estabeleceram-se laços íntimos entre o partido e o sindicalismo do ABC. Esse movimento foi um dos centros mais importantes na constituição do PT, com destaque crescente da figura de Lula.
Brizola fundou o Partido Democrático Brasileiro (PDT).
O PTB, por decisão judicial, ficou sob o comando de Ivete Vargas, sobrinha-neta de Getúlio Vargas.
Por último, mencionamos o Partido Popular (PP), cuja duração foi muito curta. Reunindo adversários conservadores do governo, como Tancredo Neves e Magalhães Pinto, o PP procurou ancorar-se nas camadas da burguesia favoráveis a uma transição para a democracia sem grandes mudanças. Se o PDS não tinha nada de “democrático” e de “social”, o PP não tinha nada de popular.
A diferenciação de posições ocorreu também no campo sindical, onde duas correntes principais se definiram. Uma delas muito próxima ao PT, apostava um uma linha reinvidicatória agressiva, em que a mobilização dos trabalhadores era definida como mais importante do que o processo sinuoso da abertura. A outra corrente defendia a necessidade de limitar a ação sindical a lutas que não pusessem em risco o processo de abertura. Não assumia uma clara definição ideológica, sustentando a importância de alcançar ganhos concretos imediatos para os trabalhadores. Daí a expressão “sindicalismo de resultados” que veio a ser criada mais tarde.
Quando a Central Única dos Trabalhadores (CUT) se formou, em 1983, a corrente do “sindicalismo de resultados” não aderiu a ela, realizando um congresso em separado com o nome de Conclat. Posteriormente, em março de 1986, transformou-se na Central Geral dos Trabalhadores (CGT).

As Eleições de 1982
Ao mesmo tempo que contemporizou com a linha-dura no episódio do Riocentro, Figueiredo manteve o calendário eleitoral que previa eleições para novembro de 1982. Obteve do Congresso várias medidas destinadas a cortar as asas da oposição. Dentre elas destaca-se a criação do voto vinculado, pelo qual o eleitor era forçado a escolher candidatos de um mesmo partido em todos os níveis de representação, de vereador a governador. O voto em candidatos de partidos diferentes seria considerado nulo. A medida visava favorecer o PDS que era mais forte no âmbito municipal. Esperava-se que o voto do PDS para vereador puxasse o voto no partido para os outros níveis.
Diante dessa transformação legal, o PP incorporou-se ao PMDB.
Os resultados para o Congresso marcaram uma vitória do PDS no Senado. Na Câmara dos Deputados, o PDS também foi o partido mais votado, mas não conseguiu maioria absoluta (PDS 235 cadeiras, PMDB 200, PDT 24, PTB 13 e PT 8).
Na eleição de governador, as oposições conseguiram algumas vitórias expressivas. O PDS perdeu em Estados importantes como: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná.

A Campanha das “Diretas Já”
No curso de 1983, o PT assumiu como uma de suas prioridades promover uma campanha pelas eleições diretas para a presidência da República. Pela primeira vez, sua direção dispôs-se a entrar em uma frente com outros partidos – PMDB e PDT. A campanha cresceu e foi além das organizações partidárias, convertendo-se em uma quase unanimidade nacional. Milhões de pessoas encheram as ruas de São Paulo e do Rio de Janeiro, com um entusiasmo raramente visto no país. a população punha todas as suas esperanças nas diretas: a expectativa de uma representação autêntica, mas também a resolução de muitos problemas (salário baixo, segurança, inflação) que apenas a eleição direta de um presidente da República não poderia solucionar.
Havia porém uma distância entre a manifestação de rua e o Congresso com maioria do PDS. A eleição direta dependia de uma alteração constitucional, pelo voto de 2/3 dos membros do Congresso. Para que isso acontecesse, seria necessário que muitos congressistas do PDS votassem a favor das diretas. A emenda constitucional (Dante de Oliveira) foi votada sob grande expectativa popular, mas não passou.

As Eleições Indiretas
A rejeição das eleições diretas para presidente provocou uma grande frustração popular. A batalha sucessória fixou-se no Colégio Eleitoral. Três figuras apareciam como candidatos prováveis do PDS: o vice-presidente Aureliano Chaves, o ministro do Interior Mário Andreazza, que era coronel do Exército, e Paulo Maluf.
A escolha do candidato do governo já não passava em 1984 pela corporação militar, embora os militares tivessem algum peso na decisão. Maluf realizou uma intensa campanha junto aos convencionais do PDS que escolheriam o candidato, prometendo-lhes cargos e toda sorte de atenções. A vitória de Maluf (1984), na convenção do partido, frente a Mario Andreazza, provocou a cisão final das forças do PDS que apoiavam os outros candidatos. Já em julho, Aureliano Chaves retirara sua candidatura e passara a trabalhar na organização de uma dissidência com o nome de Frente Liberal, que deu origem a um novo partido – Partido da Frente Liberal (PFL). A Frente Liberal aproximou-se do PMDB, que lançara o nome de Tancredo Neves à presidência da República. As duas forças chegaram a um acordo, formando a Aliança Democrática, em oposição a Maluf. Tancredo foi indicado para a presidência e José Sarney para a vice-presidência. Sarney era visto com muitas restrições pelo PMDB, pois pouco ou nada tinha a ver com a bandeira de democratização levantada pelo PMDB.
A 15 de janeiro de 1985, Tancredo e Sarney obtiveram uma vitória nítida no Colégio Eleitoral, batendo Maluf por 480 votos a 180. O PDT votou com Tancredo. O PT absteve-se de votar, em protesto contra a eleição indireta.
Com a eleição de Tancredo Neves a transição para o regime democrático não terminou e estaria sujeita ainda a imprevistos.
A posse de Tancredo não aconteceu, devido a uma doença, o presidente morreu a 21 de abril, assumindo a presidência da República o vice-presidente José Sarney.

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