sexta-feira, 19 de setembro de 2008

O REGIME MILITAR (1964 – 1985)

PRIMEIRA PARTE (1964 a 1973)

Texto adaptado da obra “História do Brasil”. Boris Fausto. São Paulo: Editora Edusp. 1995


O Ato Institucional Nº 1 e a Repressão
O governo instaurado após o golpe de Estado de 1964, começou a mudar as instituições do país através de decretos, chamados Atos Institucionais (A I), que eram justificados como decorrência do “exercício do Poder Constituinte, inerente a todas as revoluções”.
O AI-1 foi baixado a 9 de abril de 1964, pelos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Formalmente, manteve a Constituição de 1946 com várias modificações, assim como o funcionamento do Congresso. Este último aspecto seria uma das características do regime militar. Embora o poder real se deslocasse para outras esferas e os princípios básicos da democracia fossem violados, o regime quase nunca assumui expressamente sua feição autoritária. O próprio AI-1 tinha sua vigência limitada até 31 de janeiro de 1966.
Várias das medidas do AI-1 tinham por objetivo reforçar o Poder Executivo e reduzir o campo de ação do Congresso. O presidente da República ficava autorizado a enviar ao Congresso projetos de lei que deveriam ser apreciados no prazo de trinta dias na Câmara e em igual prazo no Senado; caso contrário, seriam considerados aprovados. Como era fácil obstruir votações no Congresso e seus trabalhos normalmente se arrastavam, a aprovação de projetos do Executivo “por decurso de prazo” se tornou um fato comum.
O AI-1 suspendeu as imunidades parlamentares, e autorizou o comando supremo da revolução a cassar mandatos em qualquer nível – municipal, estadual e federal – e a suspender direitos políticos pelo prazo de dez anos. As garantias de vitaliciedade, assegurada aos magistrados, pela qual eles têm direito a permanecer em seu cargo, e de estabilidade, conferida aos demais servidores públicos, foram suspensas por seis meses para facilitar o expurgo no serviço público.
O ato criou também as bases para a instalação dos Inquéritos Policial – Militares (IPMs), a que ficaram sujeitos os responsáveis “pela prática de crime contra o Estado ou seu patrimônio e a ordem pública e social ou por atos de guerra revolucionária”. A partir desses poderes excepcionais, desencadearam-se perseguições aos adversários do regime, envolvendo prisões e torturas. Mas o sistema ainda não era inteiramente fechado. Existia a possibilidade de se utilizar o recurso do habeas corpus perante os tribunais, e a imprensa se mantinha relativamente livre.
Os estudantes que tinham tido um papel de relevo no período Goulart foram especialmente visados pela repressão. Logo a 1º de abril, a sede da UNE no Rio de Janeiro foi invadida e incendiada. Após a sua dissolução, a UNE passou a atuar na clandestinidade. As universidades constituíram outro alvo privilegiado.
Mas a repressão mais violenta concentrou-se no campo, especialmente no Nordeste, atingindo sobretudo gente ligada às Ligas Camponesas. Nas cidades, houve intervenção em muitos sindicatos e federações de trabalhadores e a prisão de dirigentes sindicais.
Em junho de 1964, o regime militar deu um passo importante no controle das cidades, com a criação do Serviço Nacional de Informações (SNI). Seu principal idealizador e primeiro chefe foi o general Golberi do Couto e Silva. O SNI tinha como principal objetivo expresso “coletar e analisar informações pertinentes à segurança nacional, à contra-informação e à informação sobre questões de subversão interna”. Na prática, transformou-se em um centro de poder quase tão importante quanto o Executivo, agindo por conta própria na “luta contra o inimigo interno”. O general Golberi chegou mesmo a tentar justificar-se, anos mais tarde, dizendo que sem querer tinha criado um monstro.

O Governo Castelo Branco
O AI-1 estabeleceu a eleição de um novo presidente da República, por votação indireta do Congresso Nacional. A 15 de abril de 1964, o general Humberto de Alencar Castelo Branco foi eleito presidente, com mandato até 31 de janeiro de 1966.
Os homens que assumiram o poder formavam em sua maioria um grupo com fortes ligações com a ESG.
O grupo castelista tinha, no plano político, o objetivo de instituir uma “democracia restringida” depois de realizar as cirurgias previstas no AI-1; no plano econômico, visava reformar o sistema capitalista, modernizando-o com um fim em si mesmo e como forma de conter a ameaça comunista. Para atingir esses propósitos, era necessário enfrentar a caótica situação econômico-financeira que vinha dos últimos meses do governo Goulart; controlar a massa trabalhadora do campo e da cidade; promover uma reforma do aparelho do Estado.

O Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG)
O PAEG tratou de reduzir o déficit do setor público, contrair o crédito privado e comprimir salários.
Obteve-se o aumento da arrecadação de impostos por um melhor aparelhamento da máquina do Estado, que era deficiente. A introdução da correção monetária para o pagamento de impostos em atraso contribuiu também para que, pelo menos em parte, ser devedor do Estado deixasse de ser um excelente negócio. A compressão dos salários começou a ser feita pela fixação de fórmulas de reajuste inferiores à inflação. Ela veio acompanhada de medidas destinadas a impedir as greves e a facilitar a rotatividade na mão-de-obra, no interesse das empresas.
O governo liquidou um dos direitos mais valorizados pelos assalariados urbanos – a estabilidade no emprego após dez anos de serviço, garantida pela CLT. A fórmula não surgiu imediatamente, mas só em setembro de 1966, quando foi criado o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), na prática em substituição à estabilidade.
A criação do fundo foi vantajosa para os empregadores, que passaram a contratar e dispensar seus empregados livremente. E trouxe para o trabalhador conseqüências negativas. Além de ser corroído pela correção monetária abaixo da inflação e pelo não-recolhimento de parcelas, o dinheiro do fundo não compensa a perda da garantia de estabilidade.
Com relação ao campo, a política repressiva do governo Castelo contra os chamados agitadores veio acompanhada de medidas que procuravam encaminhar soluções para o problema da terra. Porém essas medidas ficaram em grande medida no papel, não ganharam dimensão prática.
Uma das mudanças de enfoque importantes dos ministros Roberto Campos (Planejamento) e Otávio Gouveia de Bulhões (Fazenda) se deu na área do comércio exterior. Lançaram uma campanha de exportação não apenas para explorar as enormes reservas naturais do país e vender produtos agrícolas como para promover os bens manufaturados. Eles esperavam contar com a entrada de capital estrangeiro, especialmente no setor de exportação.
O PAEG alcançou seus objetivos. A combinação do corte de despesas e aumento da arrecadação reduziu o déficit público e a inflação tendeu a ceder gradativamente, e o PIB voltou a crescer, a partir de 1966.

A Política
O AI-1 não tocara no calendário para as eleições ao governo dos Estados. Em outubro de 1965, realizaram-se eleições diretas em 11 deles. A esta altura, grande parte do entusiasmo pela revolução, entre seus próprios adeptos, tinha declinado. Era difícil iludir-se com a propaganda sobre o fim da corrupção, e os bolsos das classes médias estavam vazios. Apesar do veto a determinados candidatos por parte da chamada linha-dura das Forças Armadas, a oposição triunfou em vários Estados importantes (Guanabara, Minas Gerais, Santa Catarina, Mato Grosso e Brasília). O resultado das urnas alarmou os meios militares e sob pressão dos setores da linha-dura, Castelo baixou o AI-2 (17 de outubro de 1965). O AI-2 estabeleceu em definitivo que a eleição para presidente e vice-presidente da República seria realizada pela maioria absoluta do Congresso Nacional, em sessão pública e votação nominal. Evitava-se assim o voto secreto para prevenir surpresas.
O AI-2 reforçou ainda mais os poderes do presidente da República ao estabelecer que ele poderia baixar atos complementares ao ato , bem como decretos-leis em matéria de segurança nacional. Mas a medida mais importante do AI-2 foi a extinção dos partidos políticos existentes. A legislação partidária forçou na prática a organização de apenas dois partidos: a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), que agrupava os partidários do governo, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que reunia a oposição. A maior parte dos políticos que se filiaram à Arena tinha pertencido à UDN e em número quase igual ao PSD; o MDB foi formado por figuras do PTB, vindo a seguir o PSD.

O AI-4, Constituição de 1967 e a Sucessão Presidencial
Nas eleições legislativas de 1966, a Arena obteve 63,9% dos votos válidos para a Câmara dos Deputados e o MDB, 36%.
O governo Castelo completou as mudanças nas instituições do país, fazendo aprovar pelo Congresso uma nova Constituição em janeiro de 1967.
O Congresso fora fechado por um mês em outubro de 1966, submetido a novas cassasões e reconvocado pelo AI-4 para se reunir extraordinariamente a fim de aprovar o novo texto constitucional. A Constituição de 1967 incorporou a legislação que ampliara os poderes conferidos ao Executivo, especialmente em matéria de segurança nacional, mas não manteve os dispositivos excepcionais que permitiam novas cassasões de mandatos, perda de direitos políticos etc.
Na aparência, de acordo com a legislação, era o Congresso quem elegia o presidente da República, indicado pela Arena. Mas o Congresso, descontados os votos da oposição, apenas sacramentava a ordem vinda de cima.
O grupo castelista não conseguiu fazer o sucessor de Castelo. Foram eleitos presidente o general Artur da Costa e Silva e para vice-presidente, o udenista mineiro Pedro Aleixo. Eles tomaram posse em março de 1967.
Apesar de ter sido ministro da Guerra de Castelo Branco, Costa e Silva era uma figura estranha ao grupo da Sorbonne. Seu estilo não coincidia com o do intelectualizado Castelo. Ele não se interessava por leituras complicadas sobre estratégia militar, preferindo coisas mais leves e corridas de cavalo. Mais significativo do que essa diferença de personalidades era o fato de que Costa e Silva concentrava as esperanças da linha-dura e dos nacionalistas autoritários das Forças Armadas.

A Oposição se Articula
Desde 1966, passado o primeiro impacto da repressão, a oposição vinha se rearticulando. Muitos membros da hierarquia da Igreja se defrontaram com o governo, destacando-se no Nordeste a atuação do bispo de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara. Os estudantes começaram também a se mobilizar em torno da UNE.
No cenário político, colocado à margem, Lacerda se aproximou de seus inimigos tradicionais Jango e Juscelino para formar a Frente Ampla. Reunidos em Montevidéu, os líderes da Frente Ampla se propuseram lutar pela redemocratização do país e a afirmação dos direitos dos trabalhadores. Em 1968, as mobilizações ganharam ímpeto. 1968 não foi um ano qualquer. Em vários países, os jovens se rebelaram, embalados pelo sonho de um mundo novo. Buscava-se revolucionar todas as áreas do comportamento, em busca da liberação sexual e da afirmação da mulher. As formas políticas tradicionais eram vistas como velharias e esperava-se colocar “a imaginação no poder”. No Brasil, submetido a uma ditadura militar, era um árduo caminho colocar “a imaginação no poder”. O catalizador das manifestações de rua em 1968, foi a morte de um estudante secundarista. Edson Luís foi morto pela Polícia Militar durante um pequeno protesto realizado no Rio de Janeiro (março de 1968), contra a qualidade da alimentação fornecida aos estudantes pobres no restaurante Calabouço. Seu enterro e missa rezada na igreja da Candelária foram acompanhadas por milhares de pessoas. A indignação cresceu com a ocorrência de novas violências.
Esses fatos criaram condições para uma mobilização mais ampla, reunindo não só estudantes como setores representativos da Igreja e das classes médias do Rio de Janeiro. O ponto alto da convergência dessas forças que se empenhavam na luta pela redemocratização foi a chamada passeata dos 100 mil (25 de junho de 1968).
Ao mesmo tempo, ocorreram duas greves operárias agressivas – as de Contagem, perto de Belo Horizonte, e a de Osasco, na Grande São Paulo, que teve características diferentes. Enquanto a de Contagem foi até certo ponto espontânea, a de Osasco resultou de um trabalho conjunto de trabalhadores e de estudantes. A prova de força com o governo, tendo a greve como instrumento, deu mau resultado. O Ministério do Trabalho interveio no Sindicato dos Metalúrgicos, forçando seu presidente José Ibraim a optar pela clandestinidade. Pesado aparato militar realizou com violência a desocupação da Cobrasma, invadida pelos grevistas.

O Início da Luta Armada
A greve de Osasco sofreu influência de grupos de esquerda que tinham assumido a perspectiva de que só a luta armada poria fim ao regime militar.
No Brasil, a organização tradicional de esquerda – o PCB – opunha-se à luta armada. Em 1967, um grupo liderado pelo veterano comunista Carlos Marighella rompeu com o partido e formou a Aliança de Libertação Nacional (ALN). Grupos novos foram surgindo, entre eles o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), esta última com forte presença de militares de esquerda, como por exemplo, o tenente do Exército, Carlos Lamarca.
Os grupos de luta armada começaram suas primeiras ações em 1968. Uma bomba foi colocada no consulado norte-americano em São Paulo, surgiram também as “expropriações”, ou seja assaltos para reunir fundos. A ALN realizou um assalto espetacular a um trem pagador da Santos-Jundiaí.
Todos esses fatos eram suficientes para reforçar a linha-dura na sua certeza de que a revolução estava se perdendo e era preciso criar novos instrumentos para acabar com os subversivos. O pretexto para pôr fim à liberalização restrita foi um fato aparentemente sem maior importância. O deputado Márcio Moreira Alves, eleito pelo MDB da Guanabara, fez um discurso em que concitava a população a boicotar a parada militar de 7 de setembro, sugerindo ainda às mulheres que se recusassem a namorar oficiais que silenciassem diante da repressão ou participassem de atos de violência. O texto do discurso – ignorado pelo grande público – foi distribuído nas unidades das Forças Armadas. Criado o clima de indignação, os ministros militares requereram ao STF fosse aberto um processo criminal contra Moreira Alves, por ofensas à honra e à dignidade das Forças Armadas. O processo dependia de licença do Congresso, que era necessária porque a Constituição de 1967 que estava em vigor garantia a imunidade dos parlamentares. Em decisão inesperada, o Congresso, por 216 votos contra 141, negou-se a suspender as imunidades. Menos de 24 horas depois, a 13 de dezembro de 1968, Costa e Silva baixou o AI-5, fechando o Congresso.

O AI-5
O AI-5 foi um instrumento de um golpe de Estado dentro do golpe de Estado de 1964. Ao contrário dos atos anteriores, não tinha prazo de vigência e não era, pois, uma medida excepcional transitória. Ele durou até o início de 1979.
O presidente da República voltou a ter poderes para fechar provisoriamente o Congresso. Podia além disso intervir nos Estados e municípios, nomeando interventores. Restabeleciam-se os poderes presidenciais para cassar mandatos e suspender direitos políticos, assim como demitir ou aposentar servidores públicos.
Foi suspensa a garantia de habbeas corpus aos acusados de infrações contra a segurança nacional.
Estabeleceu-se na prática a censura aos meios de comunicação; a tortura passou a fazer parte integrante dos métodos do governo.
A partir de 1968, a ações armadas de esquerda se multiplicaram, enquanto o governo seguia cada vez mais o curso de uma ditadura brutal.

A Junta Militar
Em agosto de 1969, Costa e Silva foi vítima de um derrame que o deixou paralisado. Os ministros militares decidiram substituí-lo, violando a regra constituicional que apontava como substituto o vice-presidente Pedro Aleixo. Além de ser civil, Pedro Aleixo tinha o grave defeito de ter-se oposto ao AI-5. Desse modo, através de um Ato Institucional (AI-12 de 31 de agosto de 1969), os ministros Lira Tavares, do Exército, Augusto Rademaker, da Marinha, e Márcio de Sousa e Melo, da Aeronáutica, assumiram temporariamente o poder.
A resposta dos grupos radicais de esquerda ao aumento da repressão traduziu-se no seqüestro de membros do corpo diplomático estrangeiro para trocá-los por prisioneiros políticos. A ação de maior repercussão foi o seqüestro do embaixador dos Estados Unidos da América, realizado no Rio de Janeiro pela ALN e o MR-8, apenas quatro dias após a junta militar ter-se instalado no poder. Os grupos armados conseguiram a libertação de quinze presos políticos, que foram transportados para o México, em troca da liberdade do embaixador Elbrik.
Através do AI-13, a junta criou a pena de banimento do território nacional, aplicável a todo brasileiro que “se tornar incoveniente, nocivo ou perigoso à segurança nacional”. Estabeleceu-se pelo AI-14 a pena de morte para os casos de “guerra externa, psicológica adversa, ou revolucionária ou subversiva”.
A pena de morte nunca foi aplicada formalmente, preferindo-se a ela as execuções sumárias ou no correr de torturas, apresentadas como resultantes de choques entre subversivos e as forças da “ordem” ou como desaparecimentos misteriosos.
Enquanto o país vivia um dos seus períodos políticos mais tenebrosos, o governo alcançava êxitos na área econômica. Reequilibrando as finanças, através de uma recessão relativamente curta. Delfim Netto tratou de incentivar o crescimento econômico, facilitando a expansão do crédito.

O Governo Médici
Em meados de outubro de 1969, Costa e Silva ainda vivia, mas sem possibilidades de recuperação. Diante disso, a junta militar declarou vagos os cargos de presidente e vice-presidente da República, marcando eleições, pelo Congresso Nacional, para o dia 25 de outubro. Determinou ainda que o mandato do futuro presidente começaria a 30 de outubro e terminaria a 15 de março de 1974.
O Alto Comando das Forças Armadas escolheu para presidente o general Emílio Garrastazu Médici e para vice-presidente o ministro da Marinha Augusto Rademaker.

O Declínio da Luta Armada
Os grupos armados urbanos, que a princípio deram a impressão de desestabilizar o regime com suas ações espetaculares, declinaram e praticamente desapareceram. Esse desfecho resultou em primeiro lugar da eficácia da repressão, que acabou com os ativistas da luta armada e seus simpatizantes – a chamada “rede de apoio”, constituída sobretudo de jovens profissionais. Outra razão para o declínio foi o fato de os grupos armados isolarem-se da massa da população, cuja atração por suas ações era mínima, para não dizer nenhuma. A esquerda radical equivocara-se completamente, pensando poder criar no Brasil uma nova Cuba.
Carlos Marighella morreu em novembro de 1969, em uma emboscada policial fruto de informações obtidas através da tortura.
Carlos Lamarca foi morto em setembro de 1971, no interior da Bahia.
Restou um foco de guerrilha rural que o PC do B começou a instalar em uma região banhada pelo rio Araguaia, próxima a Marabá, situada no leste do Pará – o chamado Bico do Papagaio, nos anos 1970-71.
Foi só em 1975, após transformar a região em zona de segurança nacional, que as forças do Exército conseguiram liquidar ou prender o grupo do PC do B. Tudo isso não chegou ao conhecimento do grande público, pois a divulgação do assunto era proibida.
Por outro lado a oposição legal chegou a seu nível mais baixo no governo Médici, como resultado das condições econômicas favoráveis e da repressão.

A Arma da Propaganda
O governo Médici distinguiu claramente entre um setor significativo mais minoritário da sociedade, adversário do regime, e a massa da população que vivia um dia-a-dia de alguma esperança nesses anos de prosperidade econômica.
A repressão acabou com um setor, enquanto a propaganda encarregou-se de, pelo menos, neutralizar o segundo. Para alcançar este último objetivo, o governo contou com o grande avanço das telecomunicações no país, após 1964. As facilidades de crédito pessoal permitiram a expansão do número de residências que possuíam TV. Por essa época, beneficiada pelo apoio do governo, de quem se transformou em porta-voz, a TV Globo expandiu-se até se tornar rede nacional e alcançar praticamente o controle do setor. A propaganda governamental passou a ter um canal de expressão como nunca existira na história do país. Foi a época da promoção do “Brasil grande potência”, do “Ninguém segura este país”, da marchinha Prá Frente Brasil, que embalou a grande vitória da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1970, dos adesivos “Brasil: ame-o ou deixe-o”. Foi a época que muitos brasileiros idosos de classe média lamentaram não ter condições biológicas para viver até o novo milênio, quando o Brasil se equipararia ao Japão.

O “Milagre Brasileiro”
O período chamado “milagre” estendeu-se de 1969 a 1973, combinando o extraordinário crescimento econômico com taxas relativamente baixas de inflação. O PIB cresceu na média anual de 11,2%. A inflação média anual não passou de 18%. Isso parecia de fato um milagre. Só que o fenômeno tinha uma explicação terrena e não podia durar indefinidamente.
A equipe econômica do “milagre”, com Delfim á frente, beneficiou-se, em primeiro lugar de uma situação da economia mundial caracterizada pela ampla disponibilidade de recursos. Assim, ao lado do crescimento dos empréstimos, cresceu no Brasil o investimento de capital estrangeiro. Um dos setores mais importantes do investimento estrangeiro foi o da indústria automobilística, que liderou o crescimento industrial com taxas anuais acima de 30%.
Houve também uma grande expansão do comércio exterior. A importação ampliada de determinados bens era necessária para sustentar o crescimento econômico. As exportações se diversificaram e nas exportações agrícolas, destacou-se o avanço da soja, cujos preços no mercado internacional eram bastante favoráveis.
Outro fator a ser destacado é o aumento da capacidade de arrecadar tributos, por parte do governo. Esse fato contribuiu para a redução do déficit público e da inflação.
A política de Delfim se destinava a promover o que se chamou de desenvolvimento capitalista associado. Essa política não aplicava uma receita liberal, deixando à “mão invisível do mercado” a tarefa de promover o desenvolvimento. Pelo contrário, o Estado intervinha em uma extensa área, indexando salários, concedendo créditos, isenções de tributos aos exportadores etc.
A fórmula do “milagre” não tinha por trás dela o FMI. O FMI criticou-a, entre outros pontos, por facilitar a convivência com a inflação no presente mas dificultar a resolução do problema no futuro.
Quais eram os pontos fracos do “milagre”?
Devemos distinguir entre os pontos vulneráveis e pontos negativos. O principal ponto vulnerável estava em sua excessiva dependência do sistema financeiro e do comércio internacional, que eram responsáveis pela facilidade dos empréstimos externos, pela inversão de capitais estrangeiros, pela expansão das exportações etc. Outro ponto vulnerável era a necessidade cada vez maior de contar com determinados produtos importados, dos quais o mais importante era o petróleo. Os aspectos negativos do “milagre” foram principalmente de natureza social.
A política econômica de Delfim tinha o propósito de fazer crescer o bolo para só depois pensar em distribuí-lo. Alegava-se que antes do crescimento pouco ou nada havia para distribuir. Privilégiou-se assim a acumulação de capitais através das facilidades já apontadas e da criação de um índice prévio de aumento de salários em nível que subestimava a inflação. O impacto social da concentração de renda foi entretanto atenuado. A expansão das oportunidades de emprego permitiu que o número de pessoas que trabalhavam, por família urbana, aumentasse bastante, fato que compensou a diminuição do ganho individual.
Outro aspecto negativo do “milagre” que perdurou depois dele foi a desproporção entre o avanço econômico e o retardamento ou mesmo abandono dos programas sociais pelo Estado. O Brasil iria se notabilizar no contexto mundial por uma posição relativamente destacada pelo seu potencial industrial e por indicadores muito baixos de saúde, educação e habitação, que medem a qualidade de vida de um povo.
O “capitalismo selvagem” caracterizou aqueles anos e os seguintes, com seus projetos que não consideravam nem a natureza nem as populações locais. O projeto da Transamazônica é um exemplo. Ela foi construída para assegurar o controle brasileiro na região e para assentar em agrovilas trabalhadores nordestinos. Após provocar muita destruição e engordar as empreiteiras, a obra resultou em fracasso.

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